ALMA DE MARCA
Ideias e Reflexões #paramarcasquemarcam
Opinião
A CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO: ESPECIALISTAS, ORÁCULOS E INFLUENCIADORES
Mas, nos últimos anos e cada vez que um novo foco noticioso surge, multiplicam-se nos media os especialistas que de imediato emitem opinião avalizada, seja lá sobre que tema for… alguns são mesmo especialistas de todos os temas.
TAGS

Uma das vantagens da digitalização e das redes de partilha está na possibilidade de se poder construir uma opinião razoavelmente informada sobre muitos assuntos que há alguns anos ficavam reservados (propositadamente ou não) a pequenos círculos de pessoas.

Nas redes sociais, muitos – onde me incluo – têm opinião e tomam posição sobre muitos assuntos, partilham-na com amigos e conhecidos, discutem-na… em linguagem futebolística, assumem-se, sem preconceitos, como treinadores de bancada. Sabemos que algumas pessoas nos lêem. Lemos com atenção o que outras pessoas escrevem e cuja opinião consideramos. Temos boa opinião de nós próprios. Levamo-nos razoavelmente a sério. Mas não passamos disso e (falo por mim) não temos veleidade a que seja mais do que isso. A escrita quase como catarse. O debate como forma de tirar as teias-de-aranha do cérebro.

Mas, nos últimos anos e cada vez que um novo foco noticioso surge, multiplicam-se nos media os especialistas que de imediato emitem opinião avalizada, seja lá sobre que tema for… alguns são mesmo especialistas de todos os temas. Dos incêndios no Verão, das cheias no Inverno, da seca, quando ela se verifica, de política ou de futebol, sobre o sistema nacional de saúde, sobre a situação no sistema de ensino, sobre a vida judicial ou sobre um qualquer escândalo jurídico. Por vezes assumem o emprego de paineleiros. Debitam as três ou quatro banalidades sobre o tema em questão, lêem a primeira página de entradas do Google sobre o assunto e, claro, não perdem os parágrafos que a Wikipedia lhe dedica.

Recentemente, tivemos os grandes conhecedores de epidemiologia, estatística ou de saúde pública. Há poucos meses, não faltavam os experts em geopolítica, estratégia militar ou armamento. Agora estamos, obviamente, rodeados de opinadores sobre inflação, mercados de futuros e toda a ‘ciência oculta’ relacionada com estruturas de custos e transmissão de preços…

Nunca percebi muito bem se os outros os vêm como especialistas ou se eles se auto-intitulam de especialistas? E neste último caso, será porque possuem uma especialidade, ou porque se sentem especiais? A verdade é que possuem o que poderíamos considerar o dom da ubiquidade temática.

Uma versão exponenciada dos especialistas, são os oráculos. Uma casta superior. Uma espécie de Champions League dos especialistas.

Têm a mesma latitude dos especialistas. Sabem de tudo e sobre tudo. Mas, ao contrário, dos especialistas da Liga Europa, não se limitam a comentar o que aconteceu ou o que está a acontecer. Eles sabem o que vai acontecer. O que vai ser esta semana decidido pelo Governo ou discutido nas cimeiras internacionais. O que os bancos ou as empresas vão aprovar… e por aí fora.

Recordam-me sempre uma série - Early Edition - que passou há alguns anos na nossa TV (sem grande sucesso, refira-se), em que o personagem (e o seu gato) recebia todas as manhãs o jornal do dia seguinte e tentava evitar um crime que iria acontecer ou um acidente que iria ocorrer. Os oráculos nacionais são mais ‘avançados’, porque recebem antecipadamente os jornais da semana inteira e, inclusive, os semanários do fim-de-semana seguinte.

Mas a epidemia mais recente é a dos chamados e dos autointitulados influenciadores, normalmente nados e criados no espaço virtual e nas redes sociais. Fala-se agora igualmente de micro-influenciadores.

Alguns extravasaram os meios digitais e foram conquistando espaço nos meios de comunicação mais convencionais. E os seus ‘nomes-de-guerra’ passaram a ser conhecidos do grande público. Na maior parte dos casos, o ‘boneco’ quase faz desaparecer o ‘hospedeiro’, ao género dos actores que passam a ser conhecidos nas ruas pelo nome de um dos personagens mais populares que interpretaram.

Mas como é que se define um ‘influenciador’? Há algum curso ou formação para se obter esse ‘grau académico’? É apenas porque têm um elevado número de seguidores? Ou porque os seguidores ‘seguem’ efectivamente os seus conselhos ou outras dicas?

Confesso que me espanta as fortunas que se pagam para que um influenciador fale de um produto, de uma marca, de um local ou de um evento! E espanta-me que, frequentemente, não se discirna que os tão apregoados seguidores, percebem, à vista desarmada, quando a referência +e espontânea e genuína e quando a ‘influência’ pouco se diferencia da mais corriqueira e vulgar comunicação comercial.

Há muitas pessoas com uma reacção e uma atitude muito negativa face à publicidade, porque a vêm como um acto que influencia, aparentemente de forma perniciosa, os seus consumos ou atitudes. Mas apesar disso há, aparentemente, uns quantos que não sentem ‘remorsos’ em seguir os conselhos de um/a qualquer influenciador/a da moda sobre carteiras, sumos detox ou o próximo destino de férias, lembrando aquele velho provérbio que envolve palha e a forma como a mesma é dada.

Reconhecemos e somos levados a seguir a opinião que presumimos avalizada de críticos de vinhos, gastronomia ou de arte. Percebemos o poder daqueles que pela sua excepcionalidade, pela sua perseverança, pelo esforço dedicado a uma investigação ou a uma causa, pela capacidade de ultrapassar as desfavoráveis vicissitudes da vida, se convertem em inspiradores exemplos que servem ou deviam servir para influenciar outros.

Mas para muitos dos ditos influenciadores da actualidade, a capacidade de influenciar é accionada com posts de 160 caracteres no Twitter, uns comentários entre o fútil e o piadístico nos blogues e redes sociais ou uns vídeos bem-dispostos no YouTube. Para além, claro, de uma presença ou outra em algum programa de televisão disposto a acolhê-los.

Há poucos dias, a Marktest, referia que os portugueses que têm o hábito de fazer compras online são mais influenciados nas suas escolhas pelas opiniões de amigos e familiares, do que pela publicidade em redes sociais ou por publicações de famosos e influenciadores. Se a “Recomendação de amigos ou familiares” é, nestas compras, o factor de influência mais valorizado, logo seguido das “Informações no site da marca”, enquanto os “Influenciadores Digitais” e a “Opinião de Famosos” são os factores de influência menos valorizados, o que demonstrará, também por esta via, alguma sobrevalorização do poder de influência dos ditos influenciadores.

Especialistas, oráculos e influenciadores, infelizmente, servem hoje - para muitos - como uma forma preguiçosa de ‘construir’ opinião.

Perde-se, entretanto, o sentido crítico. Deixa-se o tempo dedicado a assuntos que são fundamentais ao que passamos à frente de um quiosque a olhar para as gordas dos jornais ou quando olhamos para os rodapés dos telejornais enquanto almoçamos ou jantamos.

Fica-se com a sensação que num tempo em que nunca tanta informação esteve disponível a todos, nunca tantos, propositadamente, parecem fazer questão de estar desinformados e de veicular a opinião alheia.