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2024 ESTÁ JÁ AÍ À PORTA
6 megatendências para 2024: (a) Ask AI; (b) Delightful Distractions; (c) Greenwashed Out; (d) Progressively Polarised;(e) Value Hackers e (f) Wellness Pragmatists
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A minha mulher tem uma expressão que me faz sempre sorrir: quando vemos o primeiro Pai Natal, o ano já era…

E é bem verdade. Embrenhados que andamos noutros raciocínios, nem nos damos conta que o Pai Natal já anda por aí e que 2024 chega logo depois da próxima curva.

E é um ano que será difícil encarar com uma expectativa positiva,

Duas guerras em simultâneo, violentas, próximas de nós, envolvendo valores civilizacionais contraditórios, em localizações de forte importância económica e geoestratégica, uma já ‘consolidada’ e outra que explodiu há poucas semanas, mas ainda sem desfecho à vista, com a dispersão de atenções e de apoios que uma provoca (a da faixa de Gaza) a poder provocar consequências no possível desfecho da outra (a da Ucrânia).

Em qualquer dos casos (a ainda mais fortemente no conflito israelo-palestiniano) a provocar uma profunda polarização na sociedade e a colocar os guerreiros do teclado em bem cavadas trincheiras, sem pontes de ligação.

Duas eleições quase juntas. Uma inopinada, com a antecipação das legislativas para Março, por força da crise política que eclodiu inesperadamente na semana passada, a outra devidamente programada, com as Europeias de Junho. Esta é tradicionalmente a eleição que menos atenção merece dos nossos concidadãos, onde apesar da parcela importante do nosso dia-a-dia que dela depende, geralmente nos entretemos a nela lavar a roupa suja da política doméstica e a tentar extrair dos respectivos resultados ilações e consequências quase exclusivamente para o cenário político interno.

Também aqui e, temo, especialmente nas nossas legislativas, o cenário é de forte polarização e de criação possível de maiorias parlamentares de geometria variável, algumas delas próximas da ingovernabilidade e de estabelecimento de acordos contra natura. Mas a ânsia da liderança parece fazer perder a noção de arco de governabilidade, em detrimento do mais oportunista agarrar do poder com as duas mãos. O que observamos na vizinha Espanha é um verdadeiro manual de más práticas e, a bem da nação, não deveria ser reproduzido neste canto à beira-mar plantado.

Mas não nos ficamos por aqui… Tudo isto acontece quando internacionalmente e mesmo nas maiores potências, se vive um cenário entre a estagnação e a recessão económica e quando estamos ainda a viver as sequelas da mais profunda crise inflacionista das últimas quatro décadas (e quando não estamos ainda certos de que da mesma não possam vir a resultar recidivas que provoquem novos aquecimentos dos preços).

Quando enfrentamos mais um mau ano agrícola e se verifica uma relativa escassez e inflacionamento de diversas matérias-primas, quando o universo logístico mostra sinais de poder sofrer novas disrupções a curto prazo, quando o poder de compra das famílias por esse mundo fora sofreu um forte retrocesso, quando a emergência climática se firmou no topo da agenda e quando, finalmente, parece ter-se acordado para o drama colocado à nossa sociedade (e a muitas outras) pelo inverno demográfico, cuja ultrapassagem vemos com cada vez maior dificuldade.

Não querendo encarnar o profeta da desgraça, as perspectivas relativas a 2024 não podem ser – como é fácil ver - muito airosas.

Por tudo isto, é sempre relevante ler com atenção as previsões que as diferentes consultoras apresentam, por estas semanas, relativamente ao que consideram ser as dinâmicas mais prováveis para 2024.

Uma das que, ano após ano, leio sempre com grande atenção, é a divulgada pela Euromonitor International em relação aos comportamentos do consumidor para o ano que se segue, as denominadas Top Global Consumer Trends.

Este ano são seis essas megatendências e utilizando as respectivas denominações em inglês – para que o correspondente sentido não se perca na tradução - temos: (a) Ask AI; (b) Delightful Distractions; (c) Greenwashed Out; (d) Progressively Polarised; (e) Value Hackers e (f) Wellness Pragmatists.

Nos dias que correm, não há como fugir das potencialidades e oportunidades que a mais recente inteligência artificial generativa nos oferece, bem como das ameaças que gera. Apesar do tema, nesta altura, se assemelhar a uma moda, na verdade a sua adopção, consolidação e absorção está já a ocorrer e tal como na velha expressão de Pessoa, “primeiro estranha-se e depois entranha-se” e as possibilidades ao nível de personalização e de enriquecimento da experiência do cliente vão multiplicar-se.

Por outro lado, toda a pressão colocada nos nossos ombros, muito em especial desde o início da crise pandémica, leva a que muitos consumidores queiram interromper o círculo do stress e procurem distrações e experiências que lhes transmitam sentimentos positivos, pelo que criar envolvência, mexer com as emoções e surpreender serão degraus importantes na escada do sucesso.

As questões climáticas têm vindo a ganhar progressiva importância, seja a nível de opções societárias, seja a nível das escolhas individuais dos cidadãos/consumidores, os quais sentem que não podem enfrentar a crise climática sozinhos. Os sobrecustos muitas vezes associados à aquisição de produtos mais sustentáveis e a rejeição do chamado greenwashing condiciona as suas escolhas e adiciona responsabilidades a governos e, especialmente, a empresas e suas marcas.

No entanto, é relativamente às três últimas megatendências identificadas que gostaria de me focar um pouco mais…

Se as questões políticas, religiosas ou sociais continuam a suscitar debates em todo o mundo, é também verdade que uma parcela importante dos consumidores refere que elas gerarão ainda mais tensões no próximo ano e, por exemplo, a forma como os consumidores reagem às tomadas de posição por parte das marcas pode ser imprevisível. Se alguns compradores continuarão a apoiar marcas que se alinhem com os seus valores, outros há que não terão capacidade económica ou ao nível de escolha de traduzir as suas opiniões sociais ou políticas em decisões de compra deste ou daquele produto específico. E há mesmo consumidores que se dissociarão de marcas que promovam uma agenda política ou social muito vincada.

As empresas devem, pois, abordar as questões polémicas com cuidado e sensibilidade, permanecendo fiéis ao espírito das suas marcas e não esquecendo que mesmo o consumo no seio do universo FMCG dá crescentes sinais de polarização, independentemente dos valores políticos e sociais que o circundam. Há hoje produtos que estão carregados de estigmas, muitas vezes pouco justos e pouco sustentados, e que têm fiéis consumidores e activos detractores, mostrando que também a este nível há um entrincheiramento, não poucas vezes reflexo das polarizações políticas, filosóficas e sociais que se sentem no nosso entorno.

Entretanto, a inflação introduziu uma nova consciência financeira e rigor na forma como é gerido o orçamento disponível. Os aumentos de preços deixaram muitos consumidores com dificuldades para, nos últimos meses, fazer face às suas despesas, mesmo as mais básicas. Quase 3 em cada 4 consumidores da amostra global do estudo da Euromonitor  sinalizaram significativa preocupação com o aumento do custo dos produtos de uso diário. Muitas famílias foram forçadas a fazer ajustamentos significativos nas suas compras e essa tendência foi especialmente sentida em Portugal, onde a prevalência de salários baixos, a redução do poder de compra e o impacto das subidas das taxas de juro tiveram um forte impacto em toda a procura interna, inclusive no universo FMCG.

Nesta altura, assiste-se a uma significativa redução das taxas de inflação, mas não a um efectivo abaixamento dos preços e o planalto em que os mesmos se posicionam actualmente, continua a gerar uma forte erosão do poder de compra, pelo que manter uma rigorosa gestão dos seus orçamentos domésticos continuará a ser uma prioridade para uma elevada parcela das famílias, as quais utilizarão as mais diferentes formas de fazer esticar as suas carteiras.

Os referidos Value Hackers, indica a Euromonitor, tentarão minimizar as suas despesas, esperando não comprometer significativamente a qualidade do que compram e consomem. Estes consumidores procuram activamente imitações, utilizam cartões de crédito ou resgate de pontos, mudam para marcas próprias de segmentos mais altos e tentam obter todos os descontos e outras vantagens gratuitas. Os consumidores estão a adoptar novos artifícios financeiros ou a nível de estilo de vida para aproveitar ao máximo o seu rendimento.

Esta mudança de atitude deve tornar as empresas e as marcas ainda mais conscientes da necessidade de aumentar os incentivos e a qualidade e criatividade das suas promoções, da necessidade de inovar em torno da acessibilidade relativamente aos seus produtos e de dar uma resposta assertiva às necessidades conscientes dos custos por parte dos seus consumidores.

Finalmente, os consumidores estão a adoptar uma abordagem cada vez mais realista em relação ao autocuidado. Eles preferem produtos fáceis e eficazes que se adaptem, o melhor possível, ao seu estilo de vida e exijam pouco tempo ou esforço na sua aplicação. Os pragmáticos do bem-estar desejam obter benefícios instantâneos e não estão disponíveis para assumir compromissos significativos.

Esses consumidores também estão a estabelecer, para si mesmos, objectivos de bem-estar mais simples e mais fáceis de alcançar e não esperam obter mudanças radicais de um momento para o outro, mas melhorias visíveis, mesmo que passo-a-passo.

Os avanços na ciência, na inovação e na tecnologia continuam a fazer evoluir as empresas nas áreas de health & beauty¸ permindo-lhes apresentar sucessivas soluções inovadoras. E os compradores estão dispostos a experimentar essas novas propostas, mesmo que menos convencionais, para alcançar os resultados que desejam.

Por isso, é importante que as marcas consigam colocar no mercado produtos com vantagens claras, precisas e bem comunicadas e que, simultaneamente, possuam uma aplicação simples e uma eficácia comprovada, dando satisfação às preocupações e necessidades dos comsumidores.

Por tudo isto, é fácil perceber que 2024 será (novamente) um ano difícil, complexo e desafiante, em que empresas e marcas terão que dar a melhor resposta possível a um consumidor em dificuldades. Um ano em que, provavelmente, a economia começará, em termos macro, a dar sinais positivos de retoma, mas em que esse impacto tardará ainda alguns períodos a chegar ao bolso dos consumidores e a conseguir impactar as suas opções de compra.