ALMA DE MARCA
Ideias e Reflexões #paramarcasquemarcam
Opinião
“Fabricantes e retalhistas precisam de reforçar a cooperação”
“Fabricantes e retalhistas precisam de reforçar a cooperação”
TAGS

Porquê fabricantes e retalhistas precisam de reforçar a cooperação? Nem faz sentido perguntar, dado que são parceiros de negócio e a cooperação é inerente à relação entre ambos. Uma pergunta mais construtiva é “para quê”? Antes de responder, lembremos o contexto económico atual e a evolução da quota de mercado das marcas de distribuidor (MDD) e das marcas de fabricante (MDF):

Podemos ver que a inflação e os juros em 2022 e 2023 são elevados em comparação com anos anteriores, o que induz naturalmente uma retração do consumo em quantidade e o aumento da procura de produtos com preço mais baixo.

Também podemos ver que, apesar de recuperar face a 2022, o indicador de confiança dos consumidores em 2023 está muito baixo, inferior ao primeiro ano da pandemia, o que também contribui para a retração do consumo em quantidade e o aumento da procura de produtos com preço mais baixo.

Finalmente, podemos ver que as MDD estão a aumentar a quota de mercado desde pelo menos 2017. Seria de esperar que os retalhistas estivessem a ganhar com isso. No entanto, passa-se o inverso!

Segundo dados da IES (Informação Empresarial Simplificada), o conjunto dos retalhistas Modelo Continente, Pingo Doce, Auchan e Dia diminuiu os resultados antes de impostos em 44% entre 2019 e 2021, mesmo tendo aumentado as vendas em 3%.

Como se explica isto?

Não é por perda de eficiência, dado que os retalhistas são cada vez mais sofisticados.

Não é por aumento dos custos, por exemplo pessoal e energia, porque não aumentaram muito nesse período.

Não é por aumento dos preços por parte dos fabricantes, porque não houve aumentos significativos entre 2019 e 2021.

A principal explicação é a diferença nas margens de comercialização de MDF e de MDD.

Os retalhistas aplicam margens de comercialização nas MDD que não lhes permitem obter boa rentabilidade e aplicam margens de comercialização nas MDF significativamente superiores às que são aplicadas nas MDD, obtendo elevada rentabilidade.

Isso distorce o mercado, conforme evidenciado nos dois diagramas abaixo:

No primeiro diagrama vemos uma curva normal da procura, havendo uma relação inversa entre quantidade e preço, quando as margens de comercialização são iguais tanto para MDD como para MDF.

No segundo diagrama vemos a distorção do mercado quando os preços das MDF são aumentados artificialmente devido às maiores margens de comercialização, criando um hiato enorme de preço e provocando o aumento da quantidade vendida de MDD.

Esta distorção foi confirmada pela FI Consulting num estudo económico realizado para a Centromarca no 1º semestre de 2023 com base em dados da Nielsen, sendo 89% a diferença de preço entre MDF e MDD (ou seja, preço MDF = 1,89 * preço MDD), mas variando muito entre categorias, de 39% na alimentação até 320% (!) na higiene pessoal.

A consequência desta distorção é haver consumidores que deixam de ter opções de compra adequadas às suas expetativas, porque ou têm preços muito baixos (que geralmente são associados a qualidade mais baixa) ou têm preços muito elevados (que geralmente são associados a produtos de luxo com grande qualidade).

Como isto não é sustentável, os fabricantes atenuam a distorção do mercado com campanhas de redução temporária de preço (RTP), tendo o efeito evidenciado no diagrama abaixo: 

Com esta abordagem, que funciona apenas temporariamente, os consumidores encontram produtos adequados, no entanto há consequências negativas para as MDF (que ficam desvalorizadas na mente do consumidor) e para os fabricantes e os retalhistas, que diminuem a rentabilidade.

Como corrigir esta distorção do mercado? Dito de outra forma, como aumentar a rentabilidade de retalhistas e fabricantes, oferecendo produtos adequados para os diferentes segmentos de consumidores?

Não há “balas de prata”, mas qualquer solução passa por ter margens de comercialização adequadas (e maiores do que as praticadas atualmente) para as MDD, porque a rentabilidade dos retalhistas está a assentar principalmente nas MDF.

Esta iniciativa de cooperação por parte dos retalhistas é indispensável para o equilíbrio do mercado.

No entanto, os fabricantes também têm de cooperar (direta ou indiretamente) com os retalhistas, devendo fazer algumas das seguintes iniciativas:

• Aumentar a qualidade intrínseca das MDF e inovar, tanto na composição como na embalagem.

• Aumentar a qualidade percebida das MDF através da comunicação de marketing.

• Realizar ações promocionais tailor made de valor acrescentado exclusivas para MDF.

• Reduzir os custos da produção de MDF.

• Premiar os retalhistas pelo desempenho, por exemplo com base em vendas MDF, espaço de prateleira, número de SKUs vendidos.

• No caso de fornecer MDD, alocar os custos adequadamente para não vender aos retalhistas com preços artificialmente baixos.

Naturalmente, a cooperação entre retalhistas e fabricantes não se esgota nas iniciativas indicadas acima, mas desenvolve-se diariamente.

Chegou a altura de responder à pergunta “para quê reforçar a cooperação entre fabricantes e retalhistas”?

A resposta é muito óbvia: para satisfazer os consumidores e assegurar a sustentabilidade dos negócios de fabricantes e retalhistas, porque sem rentabilidade não há negócio.