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PROMOÇÕES: NOVA LEI TEM TUDO PARA CORRER MAL
Quando, no passado mês de Dezembro, foi publicado o diploma que transpõe parcialmente para o direito interno a Directiva europeia que visa assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores ...
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Quando, no passado mês de Dezembro, foi publicado o diploma que transpõe parcialmente para o direito interno a Directiva europeia que visa assegurar uma melhor aplicação e a modernização das regras da União em matéria de defesa dos consumidores (a chamada Directiva OMNIBUS), dificilmente se teria percepção clara dos amplos impactos que o mesmo iria ter numa área absolutamente crítica para o universo do grande consumo em Portugal: as Promoções.

Contextualizando…

No nosso país, neste momento, quase 50 em cada 100 euros que as famílias portuguesas gastam nos supermercados, são despendidos na compra de produtos que estão num qualquer formato de promoção.

Este número é dos mais elevados de toda a Europa, não tem qualquer paralelo com o que, por exemplo, se passa na vizinha Espanha (onde aquele indicador não ultrapassa os 22 em cada 100 euros) e molda, de forma incontornável o modelo de funcionamento da quase totalidade dos operadores de retalho alimentar em Portugal, sendo o nosso mercado normalmente identificado com um ‘palavrão’: promodependência.

Os nossos consumidores, até por força de um rendimento disponível muito baixo quando comparado com a média da UE, ou com o indicador equivalente dos nossos países vizinhos, têm uma elevadíssima sensibilidade aos preços (que são, invariavelmente, o primeiro factor na escolha do que compramos) e uma forte apetência pelas oportunidades que as promoções representam para realizar uma compra menos onerosa.

De forma algo paradoxal, os portugueses são também aqueles que, aparentemente, terão um menor conhecimento do preço ‘normal’ dos produtos, o que se justificará, exactamente, pelo alastramento do fenómeno promocional. Mas, na verdade, esse desconhecimento aumenta a sua sensibilidade ao poder comunicacional das promoções.

Temos, assim, um enorme peso das promoções nas vendas dos supermercados e, consequentemente, nas vendas das empresas fornecedoras. E temos um consumidor super-atento às promoções, seduzido pelas suas propostas de valor e mais sensível ainda quando sente que o seu poder de compra está a ser reduzido por uma inflação em níveis, até há pouco tempo, absolutamente impensáveis.

Refira-se ainda que o fenómeno promocional, do ponto de vista dos fabricantes, mesmo considerado o amplo grau de maturidade que atingiu, mesmo considerando a incapacidade de funcionar como um multiplicador de vendas (como em tempos passados ocorria), mesmo considerando que, em muitos casos, mais não é uma do que forma de canibalização da venda-base, mesmo considerando que tem um impacto potencialmente negativo ao nível de rentabilidade… não deixa de funcionar como um instrumento de geração de atenção junto do consumidor, gera alguma notoriedade e que, acima de tudo, permite combater um dos maiores handicaps das marcas no mercado nacional: o do elevadíssimo gap entre os preços das marcas próprias e das marcas de fabricante que os retalhistas disponibilizam nas suas prateleiras, preços que, como sabemos, são da inteira responsabilidade dos retalhistas.

Como é fácil perceber, um menor diferencial de preços permite ao consumidor (ou pelo menos a uma larga franja de consumidores) optar pelo produto que tendencialmente prefere, ao invés da escolha ser claramente empurrada para o produto substancialmente mais barato.

Voltando ao tema da recente alteração legislativa…

Há vários anos que o poder político e, especialmente, as organizações de consumidores referenciam a sua preocupação e desconforto com o tema das ‘falsas’ promoções. E, na verdade, essa é uma matéria que introduz distorções comerciais, deslealdade na relação entre quem vende e quem compra e desconfiança em relação à veracidade das vantagens comunicadas por determinados operadores ou associadas a determinadas campanhas.

O fenómeno foi muito empolado por algumas datas promocionais e, normalmente, surge associado à compra de produtos ou de maior valor ou de compra mais isolada e não tanto aos produtos do dia-a-dia, com os quais temos um contacto quase diário e uma memória de preço e de relação custo/oportunidade muito mais próxima.

Em 2019, foi aprovada uma alteração legislativa que introduzia novas regras sobre a informação obrigatória ao consumidor em matéria de redução de preço – saldos, liquidações, promoções – e, recordo, na altura vários operadores do retalho alimentar consideraram, num primeiro momento, que o diploma não se lhes aplicaria.

A implementação daquela legislação, em Outubro de 2019, causou algumas dores de cabeça, mas, em boa verdade, a chegada da pandemia - poucos meses depois – acabou por dispersar as atenções sobre este tema, sendo que as preocupações se centravam, então, em temas mais emergentes e complexos.

Agora, a nova legislação, publicada no final de Dezembro passado, volta a colocar - e em força - este tema na agenda, sendo que o grau de preocupação tende a crescer, à medida que se aproxima a data da respectiva entrada em vigor (28/05/2022) e à medida que o fenómeno inflacionista se avoluma a se mostra irresolúvel no curto/médio prazo.

Algumas notas explicativas…

Esta legislação aplica-se apenas às relações entre vendedor e consumidor (ou seja, na relação B2C não nas relações B2B). A legislação não introduz qualquer limitação à realização de acções de redução de preço, mas apenas e só ao formato da sua comunicação ao consumidor. E essas reduções de preço são avaliadas por comparação com os preços praticados anteriormente nessa mesma loja ou nesse mesmo retalhista.

O novo diploma reduz o período em que essa comparação se estabelece de 90 para 30 dias, o que aparentemente se mostrava como um sinal positivo, mas, ao mesmo tempo, altera radicalmente as regras do jogo. Até aqui a comparação fazia-se face ao preço ‘normal’ de prateleira. Com a nova legislação ela faz-se relativamente a qualquer preço promocionado que tenha ocorrido nos últimos 30 dias.

Na prática…

Para os produtos que realizam promoções de longe a longe, as novas regras podem até mostrar-se mais favoráveis. Mas, se pensarmos na elevada frequência com que alguns produtos são objecto de acções de redução de preço, o novo diploma irá gerar forte dificuldade na realização de promoções, pelo facto de a comunicação das mesmas ser altamente complexizada e dificultada.

Um exemplo prático: O produto X tem um preço normal de 10€ e há três semanas atrás esteve em promoção na insígnia K com um desconto de 50% (logo, sendo vendido a 5€). Se, na próxima semana, a mesma insígnia quiser voltar a colocar o mesmo produto em promoção, com o mesmo desconto de 50% ou, em alternativa, com um desconto de 30% (de 10€ para 7€), não poderá anunciar a redução de preço, porque o novo preço é igual ao preço promocionado de há três semanas ou poderia ter até que comunicar uma subida de preço, neste caso de 5€ (do desconto de 50%) para 7€ (se o desconto, desta vez, fosse ‘apenas’ de 30%).

Ou seja, com o objectivo de evitar as falsas promoções, a lei acaba por inibir a realização de verdadeiras promoções… não porque elas estejam legalmente impedidas, mas porque a respectiva comunicação se torna excessivamente complexa e, acima de tudo, menos fácil de entender pelo destinatário da legislação: o consumidor. E, convenhamos, uma promoção não comunicada, não corresponde ao que se espera de uma verdadeira promoção…

Mas as questões (e as dificuldades) não se ficam por aqui. Elas referem-se também ao que ocorre quando os produtos são colocados no mercado já em promoção. Ou ao impacto nas promoções de cada produto, quando a insígnia realiza uma acção global (por exemplo, um fim-de-semana sem IVA) que abrange todo o sortido da loja. Ou ainda como comunicar aquilo que algumas cadeias convencionaram chamar de ‘promoções permanentes’.

Para além das regras específicas para a chamada comunicação geral (folheto, televisão, rádio) face àquelas que são obrigatórias ao nível de prateleira ou, ainda, das regras aplicáveis à comunicação em cadeias onde a rede de lojas contenha estabelecimentos em regime de franquia.

Em todo o caso, perante uma legislação para a qual, nesta altura, há muito mais dúvidas e questões, do que certezas e respostas, há, apesar disso, algumas convicções.

A primeira é a de que este regime legal, pensado à dimensão europeia, pouca ou nenhuma aderência tem com a realidade de mercado em Portugal. A segunda prende-se com o facto de esta legislação ser claramente pensada para combater fenómenos normalmente encontrados fora da esfera do retalho alimentar, mas será exactamente no retalho alimentar que ela irá criar maiores dificuldades e gerar maiores entropias,

A terceira é que o cumprimento da legislação, tal como está especificada, irá motivar um verdadeiro pesadelo burocrático nas insígnias retalhistas. A quarta e última é a de que sendo esta uma legislação que se foca na relação entre o retalhista e o consumidor, é também verdade que uma larga maioria dos produtos objecto das novas regras, são produtos das marcas de fabricante, pelo que o novo quadro legal tende a contaminar e a gerar tensões, seguramente desnecessárias, na relação entre produtores e distribuidores.

Esta legislação, fosse qual fosse o momento da sua entrada em vigor, iria causar confusões e dúvidas e gerar dificuldades num mercado que, como todos sabemos, é muito dinâmico, concorrencial e promodependente. Coincidir a respectiva entrada em vigor com a crise inflacionista que atravessamos, faz, como me dizia alguém com grandes responsabilidades no acompanhamento deste dossier, com que a sua implementação tenha tudo para correr mal.

E uma legislação que é criada com o louvável e inquestionável objectivo de proteger o consumidor e evitar que seja confrontado com (irritantes e desleais) falsas promoções, pode – muito facilmente – converter-se num diploma que impeça ou limite o normal acesso dos consumidores às promoções, com implicações óbvias e directas no seu poder de compra, já de si tão atacado pelo contexto de forte inflação em que vivemos.