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Opinião
O ELECTROCARDIOGRAMA OPERACIONAL
Como repito uma e outra vez, os ciclos económicos sucedem-se ao ritmo de um pêndulo e a cada crise sucede uma fase de crescimento. E importante é saber como estamos preparados paro momento em que há que mudar a agulha.
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A montanha-russa em que vimos vivendo desde o início desta década faz com que cada um de nós, mas também as organizações, a economia e a sociedade atravessem um constante desassossego, que tenhamos de conviver com a permanente sensação de que cada Cabo da Boa Esperança se converte num novo Cabo das Tormentas e que estamos mergulhados num permanente ‘electrocardiograma’.

Apesar de sentirmos que o pesadelo e a ‘claustrofobia’ que vivemos durante o período mais crítico da pandemia estará ultrapassado, a doença, mas também a forma como a vivemos e enfrentamos, deixou sequelas bem fundas e que, em alguns casos, se prolongarão no tempo.

Se a nível individual ressalta a preocupação acrescida com os temas da saúde mental, o exacerbar de muitos comportamentos ou as mudanças em hábitos de há muito enraizados, as mudanças também se sentem nas organizações, no funcionamento da economia ou na própria vida em sociedade.

Pela diversidade de ritmos de recuperação dos ciclos económicos em diferentes zonas do globo, mas também pelas políticas mais expansionistas ou proteccionistas imprimidas em diferentes blocos económicos, uma economia globalizada e onde reinava o primado da abundância, converteu-se - em poucos semestres - numa outra mais regionalizada e com preocupações acrescidas ao nível da autonomia estratégica e da gestão da escassez.

Empurrada também por incidentes políticos ou acidentes climatéricos, por distintas preocupações a nível social e ambiental e pelo controlo mais autocrático ou mais democrático da economia, passamos, muito celeremente, de uma economia focada em dar resposta a um crescimento galopante da procura, para uma outra imersa nas dificuldades inerentes à escassez da oferta.

A economia mundial, a começar pela das principais potências económicas, superou mal as ‘dores’ da pandemia e do pós-pandemia e depois de anos sucessivos de forte crescimento económico, entrou em profunda desaceleração, caminhando para um ciclo de estagnação (e mesmo de recessão), mas acompanhada por uma inflação que não se sentia há mais de três décadas. A chamada estagflação.

Portugal, enquanto economia excêntrica e periférica, mas também aberta e exposta, sofreu, sofre e sofrerá – por vezes de uma forma ligeiramente desfasada no tempo – as benesses e, obviamente, as agruras que os ciclos económicos dos seus principais parceiros económicos (e dos parceiros económicos desses mesmos parceiros) induzem. O crescimento económico anémico das últimas duas décadas (ainda mais penalizado pelos períodos recessivos da troika e do covid) não parece ter forma de ser acelerado e o contexto externo actual pouco ajuda.

Do ponto de vista operacional, a pandemia trouxe barreiras à circulação, alterações profundas no movimento de cargas e fortíssima aceleração de vários sectores da economia em simultâneo com a paralisação quase total de vários outros. Mas o pós-pandemia tem sido uma verdadeira sucessão de altos e baixos que tem impedido alguma estabilização da supply chain.

Vivemos a escassez profunda de determinados produtos, constatamos a dificuldade na contratação e manutenção de recursos humanos, assistimos ao deflagrar de conflitos armados de consequências humanas dramáticas e implicações económicas profundas, temos convivido com sucessivos anos de más colheitas agrícolas e de condições climatéricas extremadas, tivemos o incidente do Canal do Suez da Primavera de 2021 e agora vemos as dificuldades relacionadas com o atravessamento do Canal do Panamá.

Todos estes factores geram, mesmo num período recessivo e de crescimento incipiente da procura (também ajudado pela pressão crescente do ‘inverno’ demográfico), uma crise significativa do lado da oferta e algum ‘doping’ adicional para a fogueira da inflação. São cotações dos factores de produção empoladas e são custos operacionais acrescidos, num mercado com um consumidor a ver baixar o seu poder de compra e optar por reduções do consumo e, mesmo em relação ao que efectivamente adquire, pelo que designamos normalmente como downtrading.

Aos operadores económicos cabe a impossível tarefa de realizar a quadratura do círculo. Conviver com custos de aquisição e custos operacionais mais elevados. Conviver com a necessidade de realizar um aprovisionamento preventivo que lhe limite um potencial desabastecimento de mercado, mas também com os custos adicionais gerados pelos stocks crescentes e pela sua armazenagem. E conviver com um consumidor que compra menos, compra mais espaçadamente, compra produtos de menor valor.

E não havendo uma varinha de condão que dê resposta a esta equação impossível, há pelo menos a noção clara de que é preciso sobreviver ao amanhã para estar bem vivo mais à frente. Que para além da já habitual resiliência, há que adicionar uma boa dose de paciência, para aguentar este embate e estar preparado – produtiva e operacionalmente, mas também ao nível de talento e inovação – para enfrentar de forma positiva o novo ciclo de crescimento económico que mais cedo ou mais tarde (e esperemos que seja mais cedo) chegará.

Como repito uma e outra vez, os ciclos económicos sucedem-se ao ritmo de um pêndulo e a cada crise sucede uma fase de crescimento. E importante é saber como estamos preparados paro momento em que há que mudar a agulha. Saber a dimensão do ‘buraco’ em que nesse momento estaremos mergulhados e qual a dimensão da escadaria que teremos de subir. Saber se estaremos na subcave ou no nível -5.