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Opinião
INOVAÇÃO É FUNDAMENTAL PARA ATINGIR AS METAS DE SUSTENTABILIDADE
para que o universo FMCG na Europa se possa tornar neutral em termos climáticos até 2050, as marcas terão de investir muito fortemente em inovação sustentável, o que só é possível com investigação e desenvolvimento minuciosos
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No âmbito da Centromarca tendemos sempre a focar-nos no contexto, nas tendências, nos condicionalismos e nas dinâmicas do mercado nacional. Isso, contudo, não nos retira atenção sobre o que vai ocorrendo nos principais mercados pelo mundo fora, com especial foco nos países que nos são mais próximos, geográfica e economicamente.

É igualmente por isso que, semana após semana, temos a preocupação de dar a conhecer o mais relevante noticiário desses países. Nuns casos porque se antecipam tendências que, a curto ou médio prazo, podem chegar ao mercado português, noutros porque se relacionam com operadores a que devemos estar atentos, noutros ainda, de matriz mais legal, porque são conceitos e experiências relevantes para o nosso projecto, nunca terminado, de diplomacia regulatória e de criação de um ambiente mais justo e competitivo no mercado FMCG nacional.

É finalmente por isso que mantemos uma relação muito próxima com a associação europeia de que fazemos parte – a European Brands Association (AIM, do francês Association des Industries de Marques) – enquanto contribuintes muito activos para as matérias em discussão e enquanto leitores atentos dos seus conteúdos e posições, essencialmente focados no contexto de Bruxelas e da União Europeia, mas, claro, fundamentais para o que vai acontecendo nos diferentes Estados-Membros.

Assim, deixamos aqui referência a uma extensa e rica entrevista dada pela directora geral da AIM, Michelle Gibbons, a uma das publicações de referência do sector do retalho a nível europeu, a Retal Detail, no qual entre vários outros pontos enfática que a inovação é fundamental na concretização das metas de sustentabilidade e na resposta positiva aos objectivos definidos, a esse nível, pela ONU.

A responsável da AIM deixa claro que para que o universo FMCG na Europa se possa tornar neutral em termos climáticos até 2050, as marcas terão de investir muito fortemente em inovação sustentável, o que só é possível com investigação e desenvolvimento minuciosos ao longo de todo o processo de produção e da cadeia de abastecimento, área em que as marcas estão a assumir a liderança.

A própria AIM está a participar num projeto ambicioso sobre digital watermarks para facilitar a classificação e reciclagem de embalagens, o que requer mudanças sistémicas. “Temos que redefinir as embalagens, reduzi-las, usar materiais diferentes, mudar formatos, ajustar os processos de produção. E no final temos que ser capazes de o comunicar adequadamente aos consumidores”.

Contudo e em simultâneo, as marcas querem preservar a sua essência. “Elas querem, por exemplo, poder continuar a desenhar as suas garrafas icónicas, mas de forma sustentável, mas sem perder essa criatividade. Essa é uma das nossas principais mensagens: há manter a flexibilidade para inovar, porque da inovação resultam as soluções. Queremos poder usar o código QR, por exemplo, para informar os consumidores sobre a pegada de carbono dos produtos”. Outros dossiers importantes para os fabricantes de marcas são os projetos de aprovisionamento responsável ou a digitalização.

O contexto actual não é favorável: depois de dois anos de Covid, houve a crise relacionada com a disrupção da cadeia de aprovisionamento e o fortíssimo agravamento das estruturas de custos, a qual teve grande impacto nos fabricantes de produtos de marca. “Nos últimos 20 anos e até 2020, funcionamos de um modo relativamente estável e previsível, até 2020. Mesmo a crise financeira não teve tanto impacto quanto a que vivemos nos últimos três anos. O nosso sector sempre foi muito assertivo na previsão das tendências de consumo, sempre foi muito ágil, mas com fundamentos razoavelmente estáveis. As coisas podem mudar, mas o abastecimento continuou a ser garantido, continuamos a produzir. Mas agora… observamos uma forte agitação social em muitos países, … A inflação continuará a ser um problema este ano. Isso tem um impacto em todo este grande universo”.

Devido à forma como as negociações de preços são conduzidas, os fabricantes de marcas não poderiam repassar imediatamente o aumento de custos. “Absorvemos boa parte da inflação de custos no ano passado e vamos absorver ainda mais ao longo deste ano. Se os preços ao consumidor irão continuar a subir? Os fabricantes estão sob pressão do aumento dos custos dos factores de produção, mas são os retalhistas que definem os preços ao consumidor. Eles têm estratégias diferentes: os seus preços de venda ao público não são apenas baseados em factores de produção, baseados em custos. A sua abordagem é de cima para baixo e orientada pela procura”.

No entanto, o clima de negociação não melhorou no ano passado. “É uma pena, porque devíamos enfrentar estes desafios juntos. Estamos todos aqui para servir, da melhor forma possível, os consumidores.” E o comportamento do consumidor também está a mudar: “depois da pandemia, as pessoas tinham economias e sentiam vontade de voltar à vida normal. Agora vemos os consumidores a olhar para as suas facturas de energia e as contas do supermercado de energia e a serem muito mais cautelosas na gestão dos seus orçamentos”.

De acordo com números recentes da PLMA, associação que agrega as chamadas private labels,, a participação no mercado das marcas próprias está em níveis recorde, em parte devido à elevada inflação, ficando a questão de saber se. os consumidores retornarão às marcas de fabricante quando o ambiente económico voltar a ser mais favorável: “há sempre alguém que beneficia de uma crise. Nesta altura as marcas próprias estão a evoluir muito bem, embora os seus preços também estejam a aumentar. É difícil recuperar a quota de mercado depois de a perder, todos sabemos isso. Saber se os consumidores voltarão aos hábitos de compra do passado e às marcas de que gostavam irá depender das estratégias dos retalhistas”.

Na opinião de Michelle Gibbons, fica a questão de perceber se os retalhistas continuarão a concentrar-se nas sua marcas próprias e o que irão fazer com as marcas: “os retalhistas monitorizam o preço das suas marcas próprias para as tornar mais atractivas. Eles decidem que produtos vender e são os donos da prateleira. E basta olhar para as quotas de mercado na Europa para perceber qye os mercados se tornaram cada vez mais concentrados e as marcas própria não podem faltar nas prateleiras das insígnias líderes.

Mas, em cima disso, essas grandes insígnias unem-se em alianças internacionais de retalho, as chamadas Retail Alliances, com enorme poder de mercado. Organizações como a Epic Partners ou a Agecore converteram-se, de há muito, numa pedra no sapato dos fabricantes de marcas. Eles não compram em conjunto, mas cobram “taxas de acesso” aos fabricantes, para que estes possam negociar com os respectivo associados. O argumento clássico dos retalhistas é que eles precisam de se unir, porque multinacionais fabricantes actuam globalmente, enquanto muitas insígnias actuam num conjunto relativamente limitado de mercados nacionais. Mas, para a responsável da AIM “a Europa consiste em diferentes mercados. Cada um compete nos mercados em que actua. É por isso que as empresas multinacionais têm subsidiárias e equipas locais, porque precisam desse conhecimento do consumidor local. A forma como uma multinacional actua, por exemplo, nos Estados Unidos tem muito pouco a ver com a Bélgica ou a Alemanha”.

E existem operadores na Europa que são incrivelmente fortes, em relação à dimensão do seu mercado. “Veja o caso da Edeka: ela está entre as 20 maiores insígnias de retalho do mundo, embora só opere na Alemanha, um país de 83 milhões de habitantes. Grandes empresas de consumo que operam com sucesso globalmente, nunca têm o peso que aquele player tem na Alemanha. Isso influencia o poder de negociação. Se essas grandes multinacionais eram realmente tão poderosas, por que são vítimas de deslistagens sistemáticas? Quem possui a prateleira, tem o poder…”.

Os retalhistas acusam os fabricantes de marcas internacionais de dividir o mercado único europeu. Nas discussões sobre eventuais restrições territoriais de fornecimento – forçando os retalhistas a comprarem localmente – insígnias como a Picnic e a Ahold Delhaize recentemente aumentaram a pressão e o tom das suas críticas. Os gelados Magnum, por exemplo, vêm todos de uma fábrica italiana, mas há diferenças de preço de até 30% entre diferentes países europeus, dizem. “Bem, como o Carrefour explica uma diferença de preço de 72% entre seus wafers Carrefour Bio na Bélgica e na Espanha? Esse produto também vem de um único fornecedor”.

Michelle Gibbons insiste que “o preço é simplesmente mais do que a soma dos custos. Começando, desde logo, pelas diferenças de volumes: a Bélgica não é a França. Se houver problemas a este nível, as autoridades de concorrência têm forma de actuar. No relatório que a Comissão Europeia divulgou em 2020, dezassete autoridades nacionais de concorrência não encontraram nenhum problema a este nível”.

“Os retalhistas não são organizações de caridade. Gostaríamos que a Comissão Europeia reprimisse estas Retail Alliances. Elas não são centrais de compra, já que não compram em conjunto. Então, o que fazem conjuntamente? Elas realmente mudaram o mercado nos últimos anos. E essas organizações não existem em nenhuma outra parte do mundo. O facto de um grupo de competidores se poder se unir e exercer tanto poder não tem precedentes”.

Mas existirão evidências concretas suficientes sobre abuso de poder por parte dessas Retail Alliances? “Vamos colocar a questão ao contrário: por que é tão difícil mostrar que elas são benéficas para os consumidores? Para onde vai o dinheiro de acesso que os fabricantes são obrigados a pagar? Mostrem-nos. Porque o dinheiro que os fabricantes de marcas pagam a essas alianças, é dinheiro que eles deixam de podem gastar em investimentos e inovação sustentável, por exemplo. E isso está a tornar-se crítico, especialmente entre os pequenos players europeus. Os retalhistas estão a dar um tiro no próprio pé ao minar os seus fornecedores. Como poderão eles atingir as suas metas de sustentabilidade se não nos deixarem inovar?”

Porque, de acordo com Michelle Gibbons, esse é o ponto essência e este tipo de discussão não beneficia ninguém. “Precisamos chegar ao net zero em toda a cadeia de aprovisionamento. Os supermercados não poderão alcançar esse objectivo se não o fizerem em conjunto com os fabricantes. A pegada deles é impactada pela nossa, porque estamos nas prateleiras deles, assim como a nossa pegada é impactada pelo que acontece a montante na cadeia. Todos nos devemos mover na mesma direção. Todos devemos olhar para o que nos torna melhores na Europa, para aumentarmos o bolo em conjunto. E práticas comerciais desleais certamente não ajudam nesse sentido”.